por
Ulisses Macedo (feat. André Kaminski)
Nascido Bayley
Alexander Cooke no ano de 1963, um dos maiores underdogs da música ganhou fama mundial ao receber a
dificílima tarefa de substituir Bruce Dickinson no Iron Maiden, sendo
simplesmente execrado pela crítica e pelos fãs da Donzela. Mas além de ser um
cara legal dentro e fora dos palcos, Blaze é bastante determinado: pouco após a
sua demissão do Maiden, em ’99, ele formou uma banda denominada somente BLAZE –
depois ele usaria seu stage name
completo, como veremos depois -, criando uma discografia sólida e concisa. Quem
não gostou do que ele fez no Maiden precisa dar uma segunda chance ao material
que aqui se encontra, que é muito superior e se encaixa perfeitamente à sua
voz.
Hora de colocar
a mão na massa: Blaze reune um time de desconhecidos, porém competentes músicos
(John Slater e Steve Wray nas guitarras, Rob Naylor no baixo e Jeff Singer na
bateria) e convida Andy Sneap para produzir sua estréia. Lançado apenas uma
semana antes de Brave New World,
o disco da Donzela que marca o retorno de Dickinson, Silicon Messiah alia a forte voz de
Blaze a um metal britânico moderno e caprichado. “Ghost in the
Machine” abre o disco com uma boa energia, ótimo refrão e uma ponte que dá
a deixa para Bayley brincar com a platéia. “Evolution” segue de forma menos
interessante, mas a faixa-título coloca tudo nos eixos novamente, fechando a
trilogia do Messias de Silício (não pague o mico de traduzir silicon como silicone, pelo amor de
Deus!). “Born
as a Stranger” é outra boa canção, que traz influências de Maiden e um
refrão grudento. A doom “The Hunger” é lenta e reflexiva, depressiva até, mas
traz um solo de guitarra muito bom. “The Brave”
é o grande hino do CD e favorita dos fãs, com um ótimo trabalho de guitarras e
um excelente refrão, sendo mais uma com a característica temática de superação,
e “Identity” segue mantendo o bom nível. “Reach for the Horizon” nos introduz
outra tríade, dessa vez sobre um astronauta, mas é a faixa menos memorável do
CD. O disco retoma o pique com a veloz “The Launch”, que lembra “Man on the
Edge” (The X Factor,
1995) e tem ótimos solos de guitarra. Para finalizar, nada melhor do que a
épica e linda “Stare at the Sun“: começando de leve, como uma balada,
pintando o destino do astronauta vagando pelo espaço sideral; logo, porém,
torna-se poderosa, mostrando-se uma composição memorável e envolvente, com
excelente performance de todos os integrantes, firmando-se como o maior
clássico da carreira solo de Bayley. Aclamado pela crítica, Silicon Messiah é polido e
charmoso, calando a boca dos haters
e seguindo firme como um clássico do heavy metal contemporâneo.
Tenth Dimension [2002]
Após a boa
recepção da estréia, não haviam motivos para que a banda alterasse muito a
fórmula já consagrada. Tenth
Dimension segue no mesmo estilo, porém agregando algumas novidades
para dar um frescor no som. Depois da desnecessária introdução “Forgotten
Future”, “Kill
and Destroy” se firma como mais um clássico da discografia, com riffs e
solos de muito bom gosto e um refrão grudento; faixa perfeita abrir o disco e
empolgar o ouvinte. “End Dream” é lenta e pesadona, com momentos no melhor
estilo doom/sludge, além de grudar mais um ótimo refrão na nossa mente. Uma boa
surpresa é “Meant to Be“, linda balada com sessão de cordas que tem
“The Truth Revealed” como introdução e traz como destaque a participação da
cantora Michelle Houston, que aliás foi quem criou o arranjo de cordas. A
sólida “Land of the Blind” é outro bom momento do disco; além de ser totalmente
feita pra bater cabeça, ainda traz um solo com bastante distorção. “Speed of
Light” já nasceu clássica também, com guitarras gêmeas cativantes que a
tornam a melhor faixa do álbum. O encerramento vem com “Stranger to the Light”,
outro doom metal com riffs esmagadores que ressoam pelo ambiente junto aos
“ôô-ôô” do refrão. Vale lembrar que a capa do disco foi feita pelo próprio
guitarrista John Slater e, junto com o excelente encarte com design de diário
de cientista, cria a atmosfera perfeita para a temática do álbum, que fala
sobre o abuso da ciência pelas autoridades – no conceito do disco, o eu lírico
é um pesquisador que descobriu a tal décima dimensão e precisa tomar cuidado
para que isto não caia em mãos erradas.
Blood
& Belief [2004]
Após finalizar
o ao vivo As Live as It Gets
(um puta disco ao vivo, diga-se de passagem), o baterista Jeff Singer e o
baixista Rob Naylor saíram da banda, alegadamente devido à problemas
financeiros causados pela gravadora, forçando Blaze a contratar músicos
temporários para finalizar a turnê que ainda rolava na época. Para Blood & Belief, Wayne Banks e
Jason Bowld (baixo e bateria, respectivamente) completaram o time. Mas não eram
só as tretas com a gravadora que estavam ferrando a vida do cantor: além de ter
gastado quase todas as suas economias para manter a banda, os problemas de
Blaze com o alcoolismo, aliado à sua depressão que só foi diagnosticada mais
tarde, o colocaram bem pra baixo. Ele já revelou em entrevistas que naquela
época chegou a beber até cair inconsciente na rua, sendo levado para fazer
terapia por sua namorada. Blood &
Belief é, portanto, o primeiro disco em que Blaze deixa a
temática sci-fi de lado e passa a falar sobre os problemas que passou, dando às
músicas uma atmosfera carregada de tensão – basta analisar faixas como “Hollow
Head” (‘The doctor said that it’s not my
fault / I’ve been told I’m not to blame / There’s just an empty space / Where
there should be a brain’) e “Tearing
Yourself to Pieces“, esta última remetendo aos melhores momentos do Black
Sabbath. Já na faixa de abertura, “Alive”, notamos a pegada direta, quase
thrash; a faixa-título, por exemplo, traz riffs violentos, enquanto que na
cadenciada e melancólica “Regret” os riffs vão mudando e seguindo a voz de
Bayley de uma maneira bem legal. Entretanto, é na melódica “Life and
Death” que encontramos o melhor momento do disco, trazendo um refrão
sensacional, uma musicalidade acessível e um Bayley mais que inspirado,
mostrando que, apesar de possuir uma voz limitada, ele tem feeling e sabe usá-la muito bem.
The Man Who Would Not Die [2008]
Quatro anos
após Blood & Belief,
a carreira de Bayley ainda seguia aos trancos e barrancos, com várias trocas de
formação e brigas com a gravadora. Porém duas coisas foram importantíssimas
para que ele continuasse a seguir em frente: a produtora Metal Mind, com uma
milagrosa oferta do que viria a ser o DVD Alive in Poland (2007), e Debbie Hartland, sua
namorada de longa data, que se tornou empresária da banda e com quem ele se
casaria em fevereiro de 2007 – A semi-balada do disco, “While You
Were Gone“, é dedicada a ela. Infelizmente, Debbie sofreu uma hemorragia
cerebral e entrou em coma no dia anterior ao lançamento de The Man Who Would Not Die, vindo a
falecer em setembro do mesmo ano. E esta tragédia só evidenciou tudo aquilo que
Bayley já passou e que escreveu no disco, que é pesadíssimo, catártico,
vingativo e, por vezes, depressivo, trazendo uma pegada ainda mais moderna e
agressiva do que a dos lançamentos anteriores. A faixa-título é
praticamente uma autobiografia, enquanto que “Blackmailer” é uma crítica à
gravadora SPV. “Smile Back at Death“, baseada no filme Gladiador, mostra
que o vozeirão barítono do cara continua poderosíssimo, fechando a fantástica
trinca inicial do álbum. A dupla de guitarristas Jay Walsh e Nicolas Bermudez
domina o CD do começo ao fim com riffs ora violentos, ora melódicos, como bem
evidencia “Samurai“,
enquanto que a direta “Robot” é só porradaria. A segunda metade do registro tem
canções mais intrincadas e que demandam uma atenção maior do ouvinte, trazendo
como destaque o bom trabalho de guitarras de “Waiting for My to Begin” e a
ótima “Voices
From the Past“, que poderia muito bem estar em algum dos discos anteriores.
No mais, o pesadíssimo The Man Who
Would Not Die representa o renascimento da carreira solo de
Blaze, além de estrear o selo próprio do cantor, o Blaze Bayley Recordings.
Promise
and Terror [2010]
Seguindo os
passos de The Man Who Would Not Die,
Promise and Terror
mantém a mesma formação do disco anterior, que aqui soa ainda mais coesa. O
título do álbum não é aleatório: no tracklist, Promise refere-se às sete primeiras canções, que não têm
qualquer ligação temática entre si, enquanto que as quatro faixas restantes
formam Terror, detalhando as
quatro partes (perda, dor, luto e aceitação) de sua tragédia pessoal. Vamos
devagar; “Watching
the Night Sky” e “Madness and Sorrow” abrem o CD com muita velocidade e
empolgação. A bem trabalhada “1633”
surpreende com seus riffs ligeiramente maidenianos e narrativa que fala sobre a
condenação de Galileu Galilei – 1633 é o ano em que o astrônomo foi preso pela
Inquisição por defender a teoria heliocêntrica. O legal é que, em determinado
momento, a voz de Blaze pula de um speaker
para o outro simulando o debate entre Galileu e o Clero. Em seguida, “God of Speed”
chama a atenção pelos staccatos e
arpejos na introdução e no refrão da faixa. A composição é dedicada ao
motociclista e recordista mundial Burt Munro, mas nos shows aqui no Brasil ela
costuma ser dedicada também ao nosso ídolo Ayrton Senna. A épica “City of
Bones” reconta a batalha de Stalingrado e traz alguns momentos de marcha
militar. Por outro lado, “Faceless” e “Time to Dare” só mantêm o nível do
disco, sem maiores surpresas, até chegarmos à parte mais importante do CD: Terror. Acústica, “Surrounded by
Sadness” é simples e memorável, logo dando lugar à incrível “The Trace of Things That Have No
Words“. Sério, que petardo! Que música foda! Toda a dor, toda a tristeza,
toda a depressão, todas as trevas estão bem representadas na performance
arrepiante d’O Homem Que Não Morreria: ‘Nothing
can numb this pain, nothing can fill this void / Nothing can heal this wound,
nothing can hide this scar / Nothing is what I have, nothing is all that’s left
/ Nothing is what I am, if I am without you / Looking down at my feet, why do they
move at all? / Looking down at my hands, why do they work at all? / I hear the
words I speak, why can I speak at all? / If I can’t speak to you, why can I
speak at all?’. De longe o
melhor momento do álbum! E aí “Letting Go
of the World” chega de mansinho, com dedilhados nas guitarras. Blaze narra
como sua única fagulha de felicidade foi tirada de si, desolando-o e fazendo-o
desistir do mundo. A interpretação é intensa, e os instrumentistas também não
deixam barato, acelerando o andamento da faixa até a chegada do solo de
guitarra, seguido do vozeirão de Bayley, extasiante, gritando ‘Letting go of
the world’ várias vezes, sem deixar pedra sobre pedra. A introspectiva
“Comfortable in Darkness” encerra o momento magistral de superação proclamando
vitória sobre si mesmo, sobre as trevas e o medo que ele deve deixar para trás.
Que obra-prima são essas quatro faixas! Dê um tempo aqui na leitura e vá ouvir!
The King of Metal [2012]
por André Kaminski
O último álbum
do ex-Maiden traz muitas referências pessoais sobre o momento difícil que
passava o vocalista. A morte da esposa quatro anos antes, as dificuldades da
estrada e uma certa tristeza pessoal faz com que o álbum exacerbe emoção.
Porém, quem pensa que isso traria letras melancólicas e obscuras está enganado:
com base em toda essa tristeza, Blaze continua a transmitir mensagens de força
e de sentimentos positivos, algo que fica bem claro em suas letras. Isso sem
aliviar em um instrumental pesado (infelizmente prejudicado pela produção) onde
guitarras, baixo e bateria descem a mão sem dó. A primeira canção é uma espécie
de homenagem aos seus fãs que são intitulados como “The King of Metal”. Seguida
logo adiante por “Dimebag“, uma homenagem ao falecido guitarrista Dimebag
Darrell, morto em 2004. A canção começa calma para logo em seguir as guitarras
darem um clima pesado e melancólico em uma música que representa muito bem o
triste sentimento que esta tragédia causou ao mundo do metal. “The Black
Country” parece ser uma canção ao qual aparenta estar falando da sua velha
Inglaterra. “The Rainbow Fades to Black” é outra homenagem muito boa ao
ídolo Ronnie James Dio falecido dois anos antes do lançamento deste disco. A
faixa se destaca por uma pegada bem parecida com o Black Sabbath da era do
baixinho pela sua velocidade e instrumental bem heavy do início dos anos 80. “Fate”
fala sobre o destino, algo que acredito ser o fato dele se sentir destinado a
ser eternamente conhecido como um ex-Maiden em mais uma faixa veloz que lembra
seus próprios trabalhos do início da carreira solo. “One More
Step” apresenta ideias e uma força de vontade que poderia fazer parte de
uma trilha sonora de algum filme do Rocky Balboa. Um piano calmo e mais uma
entrega sentimental por parte de Blaze ao qual surpreende pela sinceridade
transmitida. “Fighter” é mais uma mensagem de força de vontade com um ritmo de
marcha militar exaltando algo que pareceria o orgulho de um soldado. “Judge Me”
é um recado claro a seus detratores em seus tempos de donzela, ao qual o
próprio vocalista admite seus erros ao mesmo tempo em que critica a má vontade
de tanta gente ao tecer julgamentos que considera injustos. “Difficult”
é o próprio Blaze te dando conselhos sobre a vida de um cara que já apanhou
muito dela, indo do céu ao inferno várias vezes. Os ótimos riffs de guitarra se
sobressaem aqui, sendo a faixa mais pesada do disco. “Beginning” fecha com mais
uma faixa de força de vontade sendo mais calma e reflexiva, porém, esta sendo
inferior a “Difficult” e “One More Step”. Infelizmente, o principal defeito do
disco como já citei foi a sua produção que deixou a sonoridade do disco um
pouco acanhada, apesar das ótimas composições e de ótimo riffs que os
guitarristas Andy Neri e Thomas Zwijsen trouxeram. Não chega a ser melhor que
petardos como Silicon Messiah
(2000) e The Man Who Would Not Die
(2008), mas gosto bastante deste trabalho e recomendo uma audição dos fãs do
careca.
Publicado originalmente no site Consultoria do Rock