Por Bruno Rocha
É ponto pacífico entre todos aqueles que conhecem a história do Iron Maiden que a passagem de Blaze Bayley por lá foi no mínimo controversa. Certo, todo mundo já sabe, mas não custa nada lembrar: as performances ao vivo de Blaze com o Iron Maiden deixavam a desejar principalmente quando chegava a hora de ele cantar as músicas registradas originalmente por Bruce Dickinson. Blaze, notoriamente um cantor reconhecido por seus vocais graves e pesados, tinha bastante dificuldade de alcançar os tons altos que Bruce alcançava facilmente e que sempre foram uma das marcas registradas do Iron Maiden.
Eis o motivo pelo qual Blaze Bayley é até hoje escrachado por boa parte daqueles que conhecem o Iron Maiden. Blaze, barítono, não conseguia cantar tão alto quanto o tenor Bruce Dickinson. Até aí, tudo normal. São dois cantores de estilos distintos. Mas o problema reside no fato de Bruce ser endeusado por boa parte dos “fãs” da Donzela. De modo que, se um cantor tem dificuldade de reproduzir o que Bruce fazia, ele é logo taxado como péssimo ou limitado.
Outro motivo de Blaze Bayley ser até hoje um cantor incompreendido é o seu timbre de voz em si. Não existe nenhum cantor de Metal no mundo que tenha uma voz parecida com a de Blaze, pesada, grave e raivosa. Mas esse é um mal que aflige todos aqueles que possuem um timbre de voz único, daqueles que você “ama ou odeia”. Quer mais exemplos: Derrick Green completa este ano duas décadas a frente do Sepultura aguentado críticas e mais críticas muito por conta de sua voz. James LaBrie, do Dream Theater, é outro cantor de Metal que possui uma voz única. Talvez essa seja o motivo de ele ser tão rejeitado por quem curte Dream Theater (muitos até defendem que a banda de John Petrucci deveria ser estritamente instrumental). Nem mesmo King Diamond consegue se esquivar deste fato e muitos até hoje não o compreendem por causa de seu timbre agudo e fantasmagórico.
Voltando a Blaze Bayley. Então por que diabos ele foi cantar no Iron Maiden mesmo sabendo que ele era “limitado”, tendo em vista ter que substituir ninguém menos que Bruce Dickinson?
Em primeiro lugar, Blaze não ingressou no Iron Maiden a força ou lançando mão de ameaças. Simplesmente surgiu a vaga de emprego e Blaze enviou seu currículo para a empresa. Quem é o cantor de Metal que não sonha em, pelo menos um dia, cantar no Maiden? Pois bem. O dono da empresa viu seu currículo (ouviu seu tape), se agradou e contratou o candidato, com o aval de seus sócios, Nicko, Dave e Janick. Quais as intenções que Harris tinha em mente em trazer Blaze para o Maiden, somente ele pode responder. Cabe lembrar que Steve tinha a opção de escolher um cantor que poderia facilmente alcançar tons altos e cantar as músicas gravadas por Bruce. Doogie White e André Matos estavam a disposição. Ele preferiu escolher o oposto.
X-Factour - 10 de novembro de 1995, Brixton Academy.
Quanto aos álbuns gravados por Blaze, as discussões se acalmam um pouco, principalmente quando se trata de The X Factor. Este álbum traz uma carga soturna mais nunca antes vista em um álbum do Iron Maiden. Alguns se referem a The X Factor como o álbum mais Doom da Donzela. A voz estranha e grave de Blaze se encaixou bem na proposta densa e depressiva do álbum. Quando chegamos em Virtual XI, a análise é outra. Este é, de fato, um dos álbuns mais sem inspiração do Maiden, apesar de ter vários bons momentos, e a culpa disso não pode ser jogada somente em Blaze. Será que foi dele a ideia de repetir o refrão de The Angel And The Gambler quase 30 vezes?
Voltando a performance de Blaze ao vivo: o que a banda poderia ter feito para ajudar Blaze a ter um rendimento melhor:
Solução natural: baixar os tons das músicas. Não faria mal nenhum. Judas Priest, só para citar um exemplo, faz isso hoje e todo mundo sai ganhando: Rob Halford canta muito bem e confortavelmente e as músicas soam mais pesadas sem perder suas características originais. Os tons originais das músicas gravadas por Bruce se encontram no limite que Blaze poderia alcançar com seu esforço. Ter baixado meio tom ou um tom em cada música antiga poderia ter mudado para sempre várias impressões sobre Blaze ao vivo. E de bônus, as músicas soariam ainda mais pesadas, um problema que anda de mãos dadas com o Iron Maiden principalmente dos anos 2000 para cá.
Mas não! Blaze tinha que cantar nos tons originais! Por que, Steve? Será que a banda não tinha ideia que Blaze teria muita dificuldade em cantar na altura de Bruce? E que isso influenciaria na performance da banda como um todo? Será que os climas das músicas mudariam? Ou Steve não queria passar a impressão de que a banda estava envelhecendo, forçando Blaze a cantar nos tons originais?
O mais intrigante é que Blaze, que precisava desta ajuda por parte da banda, não a conseguiu e tinha que se esforçar, com o risco de prejudicar sua voz para o futuro, para alcançar os tons altos. Mas para Bruce, que nunca precisou de uma ajuda do tipo, a banda resolveu baixar o tom de Lord Of The Flies para que ele pudesse cantar confortavelmente.
A BANDA BAIXOU O TOM DE UMA MÚSICA DO BLAZE PARA BRUCE CANTAR?
Sim! Lord Of The Flies foi gravada originalmente em “F#m” (Fá sustenido menor), mas Bruce a cantava ao vivo em “Em” (Mi menor), um tom abaixo. Mas claro que o motivo não era que Bruce não conseguiria cantar no tom de Blaze. A música ficou bem mais baixa, mas Bruce cantava uma oitava acima. Traduzindo: bem mais alto, ao seu estilo. Ok, a música em questão ganhou um novo clima e ficou perfeita ao vivo na voz de Bruce, vide sua performance no Live/DVD Death On The Road. Mas isso foi um luxo concedido a Bruce Bruce, que não necessitava disso. O caso de Blaze era mais sério e necessário, e a ele não foi concedida a benesse de poder cantar em regiões mais confortáveis. Vai entender...
Ah, e se você reclama que Blaze errava as letras das músicas antigas ao vivo, Bruce também errava a letra de Lord Of The Flies.
Mas tudo bem. Aconteceu o que aconteceu e já faz quase duas décadas que Blaze foi demitido do Iron Maiden. Apesar dos pesares e de sua passagem contestada, Blaze sempre fala em suas entrevistas da gratidão que deve a Steve Harris pela oportunidade e por ele ser quem é hoje. Faz quase 20 anos que Blaze pode cantar do jeito que quer e da forma que se sente mais confortável. Tanto que seu trabalho-solo é bastante elogiado (por quem o ouve sem estar preso ao estereótipo de “o cara da voz estranha”). De qualquer forma, antes de criticar ou esculhambar um músico ou mesmo qualquer pessoa, cabe a reflexão de analisar as circunstâncias que cercam seu trabalho. Não gosta do Blaze assim mesmo? Ok! Mas isso não implica em condená-lo no Tribunal dos Fãs por conta de seu período no Iron Maiden. Eu o absolvo.
Bruno Rocha é redator e editor-chefe do site Roadie Metal.