Por Ronaldo Costa (Colecionador)
“Pronto, só faltava essa. Já estava demorando até alguém
querer falar bem desse disco. Deve ser mais um fã cego querendo arrumar
justificativa pra tudo o que o Maiden faz. Será que o sujeito que escreveu esse
texto não tem nada melhor a fazer do que ficar procurando cabelo em ovo ou
tentando explicar o inexplicável?”.
Eu imagino que muitos dos que passarem o olho nessa matéria
já estarão pensando assim a essa altura. Dos que ainda não estão, alguns vão
fazê-lo antes de terminar de ler a resenha. Eu sei bem do vespeiro em que estou
enfiando a mão ao redigir essas linhas. Muitos acharão até mesmo que é algo
totalmente dispensável e fora de propósito, mas como a seção trata de álbuns
que algumas pessoas consideram injustiçados, aqui nós temos mais um que é
citado como exemplo por muita gente. No entanto, seria o primeiro disco da
polêmica passagem de Blaze Bayley pelo Iron Maiden um trabalho realmente
menosprezado de forma injusta? É dessa discussão que estão todos convidados a
participar. De qualquer forma, vamos em frente, pois talvez você entenda e até
concorde com o que está escrito aqui.
No começo da década de 90, após o lançamento de Fear of the
Dark, o mundo do metal foi sacudido por uma notícia devastadora para uma enorme
quantidade de fãs: Bruce Dickinson anunciava que deixaria o Iron Maiden para se
dedicar a sua carreira solo. E agora? Não podia ser verdade! Afinal, como
imaginar a Donzela sem seu frontman de tantos anos? A tristeza provocada pelo
anúncio tornava-se ainda pior quando se tentava fazer prognósticos sobre o futuro
da banda, já que ... quem seria capaz de ocupar o posto? Seria aquele o fim de
uma das maiores bandas da história do heavy metal?
A curiosidade em saber se o grupo continuaria e quem seria
seu novo vocalista aumentou quando Steve Harris resolveu promover um concurso
para decidir quem seria responsável pelo microfone do conjunto. A peleja era
aberta para quem se achasse com capacidade para tal. No entanto, Harris tinha
conhecido alguns anos antes uma banda - na época quase anônima - chamada
Wolfsbane, que tinha um tal de Blaze Bayley nos vocais. O baixista teria ficado
impressionado com o desempenho do cantor. O que muita gente diz é que o posto
de vocalista do Iron Maiden foi decidido pelo chefão independente de concurso,
audições e do que quer que fosse, num episódio lamentável.
Entretanto, marqueteiros que são, Steve e a banda não
perderiam a oportunidade de fazer um enorme movimento em torno do nome do
grupo. Com isso, a história foi adiante. Entre os fãs, apareceram todo tipo de
suposições e sugestões, desde artistas já consagrados até revelações. Rob
Halford, Michael Kiske e muitos outros se viam no meio das especulações. De
fato mesmo, entre os que eram considerados a sério para o posto, figuravam
nomes como o do brasileiro Andre Matos - então no Angra - e o de Doogie White
(que iria para o Rainbow), que chegou a ser anunciado como finalista ao lado de
Bayley. No fim, a decisão foi a mais improvável e suscitou muitos comentários
sobre a veracidade do tal concurso.
Decidido o nome do substituto, era hora de colocar tudo para
funcionar novamente. As coisas não estavam sendo fáceis para Steve Harris. A
saída de Bruce Dickinson criou um enorme problema para o chefe e sua banda,
que, como todos sabem, é seu projeto de vida. Como se já não bastasse isso, o baixista
ainda passava por um processo de separação, de forma que aquele momento era até
de certa depressão para Steve. Boatos na época davam conta de que foi cogitada
inclusive a possibilidade de a banda encerrar suas atividades. No entanto,
Harris decidiu passar por cima de tudo aquilo e, com o apoio de seu velho
companheiro Dave Murray, começou a reconstrução do Iron Maiden com o mesmo
afinco de alguém em início de carreira.
A banda se mandou para o estúdio particular de Harris e
começou o processo de composição de um novo álbum. E começou do zero, pois a
história diz que o grupo só iniciou as composições após a chegada do novo
vocalista. O plano era que todos dessem vida as suas ideias para reuni-las e
aproveitar o que surgisse de melhor. Dessa forma, não seria apenas Bayley que
teria que se adequar ao estilo do Maiden, mas o grupo também se adaptaria
segundo o estilo do cantor, que poderia inclusive contribuir com novas ideias e
composições.
A Donzela demorou muito para lançar material inédito após a
chegada do novo vocal, já que Blaze ficou fora de combate por um bom período
devido a um acidente de moto. No entanto, quando lançou o disco, talvez nem
imaginasse o rebuliço que isso causaria, sob os mais diversos aspectos. Após
tantos anos com Bruce Dickinson, cuja voz se identificava com o som da banda de
forma espantosa, o mundo conhecia um novo Iron Maiden, que se mostrava com o
enigmático nome The X Factor.
Epa, e agora? Um álbum do Maiden sem Bruce e Adrian Smith?
Sempre após um novo lançamento do grupo, alguns críticos e mesmo alguns fãs
costumam torcer o nariz de início, considerando que tal trabalho já não tem
mais a energia e qualidade de algum anterior. De Somewhere in Time (que já mereceu
uma resenha nessa seção) em diante, isso é algo que foi se tornando cada vez
mais evidente a cada novo álbum. Entretanto, não tem nada, mas absolutamente
nada, que chegue perto do que foi a recepção a The X Factor. A estreia em
oitavo lugar nas paradas inglesas, pior posição da banda desde Killers, já
acendia um sinal amarelo na frente de Harris e companhia. O próprio Blaze conta
que não se continha em alegria por um álbum cantado por ele ter chegado a tal
posição nos charts do Reino Unido, mas o restante da banda não demonstrava essa
empolgação toda. Muitos poderão dizer que seu sucessor, Virtual XI, teve
acolhida ainda pior, mas a questão é que no disco de 1998 muitos já não
esperavam grande coisa.
Outro fato curioso sobre esse décimo disco da banda é que
ele, de início, não teve uma aceitação muito boa, mas ainda conseguiu agradar a
alguns fãs. Com o passar do tempo, foi sendo cada vez mais criticado e
ridicularizado e, a partir de certo momento não bem estabelecido, foi se
tornando um pouco melhor avaliado, a ponto de se encaminhar a passos largos
atualmente para se tornar um disco cult, daqueles que nunca serão considerados
obras-primas, mas que sempre terão seguidores fiéis e cada vez mais numerosos.
De fato, o ‘fator X’ não é uma obra-prima. De forma alguma é
objetivo da matéria querer classificá-lo como tal. E por não ser uma
obra-prima, acaba que também não é superior a vários dos álbuns que a banda já
tinha em sua discografia. Apesar de gosto ser uma coisa subjetiva e individual,
essa é, inegavelmente, a opinião da maioria dos fãs da banda. A questão que se
pretende discutir então é a seguinte: The X Factor é realmente a coisa ruim e
desqualificada que tanto se falou? Será que o diabo é tão feio quanto o pintam?
O Iron Maiden, que tanta gente gosta de criticar, usando o
argumento de que a banda segue fórmulas prontas, cai na mesmice, tem medo de se
arriscar, trazia um trabalho muito diferente de qualquer coisa que já tivesse
lançado. A própria escolha de Blaze Bayley como vocalista já era uma mudança
radical de estilo. Pois não é que esses mesmos que reclamavam da pouca afeição
da banda a mudanças reclamaram das mudanças também? Estão lá as cavalgadas, os
duetos de guitarra, os solos, mas The X Factor é, sem dúvida, o disco mais
melancólico, sombrio e obscuro da história do grupo. Não era tão pesado
enquanto distorção, mas o clima era pesado. Algumas letras também fugiam um
pouco ao Maiden clássico, falando mais sobre temas que refletiam o próprio
estado de espírito dos compositores.
Só que a saraivada de críticas que esse trabalho sofreu foi
muito além de sua temática e seu clima. A coisa já começou pela capa. Após
tantos discos, singles e todo tipo de material trazendo os clássicos desenhos
de Derek Riggs com o monstro-mascote-ícone Eddie, eles resolvem inovar e
trouxeram na capa um Eddie mais humanizado, quase que um boneco. A ideia, que
no começo até parecia legal, depois de certo período já não era tão bem sacada
assim. Embora isso nada tenha a ver com a música ou a qualidade de um CD, teve
gente que já não curtiu a coisa desde aí. A produção, assinada por Steve Harris
e Nigel Green, não era nenhuma maravilha, sobretudo quando lembramos os
trabalhos de Martin Birch. E o principal, as músicas, será que também são tão
ruins assim?
O álbum se inicia de forma totalmente atípica para os
padrões do Iron Maiden. Acostumada com aberturas rápidas, velozes e enérgicas
para seus discos, a banda iniciava o novo trabalho com uma música de mais de
onze minutos, introduzida por um coro de canto gregoriano e um instrumental
lento, com um dedilhado de guitarra acompanhado pelo baixo e sons de teclado. O
grupo viria a usar e abusar desse expediente em todo o seu trabalho posterior,
inclusive após o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith, mas, na época, essa
estruturação não era tão constante assim. “Sign of the Cross” é uma epopéia,
cadenciada, com excelente instrumental, várias quebras de ritmo, linhas
melódicas entremeadas por riffs pesados, partes lentas se alternando com
passagens mais rápidas e uma linha vocal que se encaixa muito bem no clima
sombrio da música. Por que dizer então que uma canção assim seria ruim? A prova
final da qualidade dessa música viria anos depois, quando muita gente
considerou que a canção na voz de Dickinson ganhava ares de clássico.
“Lord of the Flies” transita entre o heavy metal simples e o hard rock, com bons riffs e outro vocal bem encaixado de Bayley. A terceira música, “Man on the Edge”, remete ao clima um pouco menos sombrio que a banda mostrava em seus áureos tempos. Uma música mais rápida, mais ao estilo Iron Maiden e, por isso mesmo, uma das mais queridas pelos fãs nessa fase.
A melancolia e o tom obscuro retornam em “Fortunes of War”,
faixa que traz uma excelente interação entre o clima do instrumental e a ideia
que a banda queria passar com a letra, além de evoluir para uma pauleira na sua
segunda metade. Já em “Look for the Truth” Blaze Bayley erra a mão em alguns
momentos.
E o que dizer então da simplicidade das melodias de “The
Aftermath”, que são justamente sua maior qualidade. “Judgement of Heaven”, que
algumas pessoas adoram e outras tantas não suportam, traz grandes qualidades em
sua cadência, na melodia vocal e no refrão em tom de lamento.
“Blood on the World’s Hands” é um dos pontos mais altos do
disco, desde a intro com o baixo de Steve Harris até seu tom ao mesmo tempo
agressivo e dramático. “The Edge of Darkness”, assim como “Man on the Edge”,
traz resquícios da sonoridade antiga da banda, sendo assim também uma das mais
queridas pelo público em geral, ainda que nunca tenha sido trabalhada pela
banda. “2 A.M.”
é uma espécie de balada, que se não traz nada de extremamente belo ou
empolgante, também não tem nada que a comprometa enquanto boa música, sendo
inclusive aqui um dos momentos onde Blaze mostra potencial. A derradeira faixa
é a mais fraca. “The Unbeliever”, apesar de alguns bons momentos numa passagem
melódica no meio, não convence muito.
Gers e Murray, se não são Smith e Murray, ainda mostram um
bom entrosamento. Steve Harris colocou o baixo numa altura impressionante na
mixagem final, mas isso até combinou com a sonoridade do disco. Nicko McBrain
sempre foi um cara que jogou para o time. Seu trabalho nesse disco não tem a
exuberância dos tempos de Piece of Mind, mas se encaixa perfeitamente na nova
proposta da banda.
É compreensível que um fã do grupo, sobretudo os mais
antigos, se assustasse e não aceitasse tais mudanças. Quem se lembrava da
crueza dos dois primeiros discos e da fase clássica com Bruce realmente teria
dificuldades em se acostumar com o estilo sombrio, introspectivo e cadenciado
desse novo Iron Maiden.
Confesso que eu mesmo, como fã desde a fase mais clássica da
banda, não aceitei bem aquela nova realidade. Com o passar dos anos, após
várias audições do álbum, após amadurecer um pouco e me abster de radicalismos,
passei a tê-lo em conta como um excelente trabalho. A questão aqui não é
colocar uma opinião pessoal como se fosse uma verdade absoluta, mas trazer para
a discussão um tema que já foi levantado em várias ocasiões e que se encaixa
bem com a proposta dessa seção. Um disco, para ser bom, tem que ser melhor que
os anteriores, ou ser bom é uma qualidade intrínseca a algo? The X Factor não é
o melhor trabalho da Donzela, não se equipara a obras como Piece of Mind e
Powerslave, só que também não merece tanto desdém e crítica como se observa.
Ele é um trabalho de grande qualidade, que seria a grande obra na discografia
de muita gente. Não são poucas as bandas que sonhariam com um álbum assim em
seu currículo. Dentro desse disco existem várias passagens instrumentais
excepcionais e, inclusive, algumas boas linhas vocais. Se o clima sombrio,
melancólico e pessimista, associado a uma maior cadência e lentidão nas
músicas, o afastam das características mais marcantes do grupo, é fato também
que justamente esse aspecto lhe confere uma originalidade e alma própria
impressionantes.
Muitos que criticam o trabalho falam que na voz de Bruce
Dickinson o álbum seria maravilhoso, o que significa dizer que, então, as
músicas são boas. Outros já dizem que ninguém o salvaria. Um grande problema
foi o momento histórico em que foi concebido, tanto da banda quanto do cenário
heavy metal. E ser lançado sob o nome Iron Maiden faz com que a pressão e o
rigor ao se analisar o trabalho sejam elevados à estratosfera.
Outra coisa que fez parte de seu insucesso foi o vocalista.
Não por Blaze Bayley ser ruim, pois isso ele não é. O cara tem uma carreira
solo para provar isso. Mas os problemas de Bayley começam por seu estilo ser
diametralmente oposto ao de Bruce, sob o que se quiser analisar, e trazer um
estilo totalmente diferente ao Maiden era algo quase impossível. “Ah, mas Bruce
tem o estilo totalmente diferente do Paul Di’Anno e se deu bem na banda”. Sim,
mas a questão não é ser parecido ou diferente do antecessor, mas ter um estilo
que se encaixe ao som do grupo. Arrisco dizer que não haveria vocalista nesse
mundo que pudesse agradar aos fãs do Iron Maiden substituindo Mr Air Raid Siren
- talvez só alguém com estofo como um Dio ou um Halford.
O maior dos problemas de Blaze não foi o que ele fez no
estúdio e, sim, o que fez ao vivo. Faltava-lhe experiência, vivência num palco
grande e um pouco mais de carisma no início. Ele é um ótimo vocal para heavy
metal, mas não tem grande versatilidade, seu tipo de voz não permite grandes
variações e exige que as músicas sejam bem encaixadas no seu estilo, o que era
tudo o que o Iron Maiden não tinha como oferecer. Além disso, fazê-lo cantar as
linhas vocais altíssimas de Bruce era algo que não tinha como dar certo.
Desafinava ao tentar alcançar os tons mais altos, se atrapalhava, perdia até mesmo
o tempo das músicas. Então vão dizer, se o cara fez isso tudo, como falar que
ele é bom vocalista? Cantando composições que se enquadram em suas
características ele sempre entregou excelentes performances. Não há explicação
para o porquê de Steve Harris não ter percebido isso antes de chamá-lo para o
grupo. 99% dos fãs (eu incluso) preferem Bruce na banda e festejaram sua volta
como se estivessem adorando uma divindade. Isso é uma coisa. Agora, querer
crucificar Bayley - como, aliás, foi feito - e responsabilizá-lo pelo fato de o
grupo não ter atingido o mesmo sucesso de outrora nada mais é do que maldade.
Agora sim, você já pode esbravejar, praguejar, discordar de
tudo o que foi escrito aqui. Faça isso mas, de preferência, após dar uma outra
ouvida em The X Factor.
Quem sabe alguém que ainda não descobriu o bom álbum que existe escondido entre
tantas críticas possa fazê-lo agora? Tenho certeza que, da mesma forma que
muita gente não comunga das ideias expostas acima, outros tantos concordam com
boa parte do que foi dito. O importante é que cada um possa dar a sua opinião. Até uma próxima.
Faixas:
1 Sign of
the Cross 11:17
2 Lord of
the Flies 5:03
3 Man on
the Edge 4:13
4 Fortunes
of War 7:23
5 Look for
the Truth 5:10
6 The
Aftermath 6:20
7 Judgement
of Heaven 5:12
8 Blood on
the World's Hands 5:57
9 The Edge
of Darkness 6:39
10 2 A.M. 5:37
11 The Unbeliever 8:10
Publicado originalmente no site Collector´s Room